Imobiliário vive "momento estranho" e precisa de mais casas.

O idealista/news ouviu players do setor para medir “pulso” ao setor. Entre dinamismo e incerteza, é preciso construir mais, dizem.
12 mai 2023 min de leitura

O ano ainda não vai a meio, mas a habitação em Portugal já podia ser eleita como tema central de 2023. A crise agudizou-se com a escalada da inflação e a subida repentina dos juros, e o mercado não está a conseguir dar resposta às necessidades da procura. O imobiliário continua a viver dias de dinamismo com boas oportunidades de negócio, mas também de incerteza. As casas já demoram mais tempo a vender-se, ainda assim, os preços mantêm-se estáveis – quer nos imóveis novos, quer usados –, e é provável que assim permaneçam, até porque o país continua a debater-se com um grande problema: a falta de oferta quer para comprar, quer para arrendar. 

  1. Para onde caminha o mercado imobiliário?
    1. Comprar casa: quebras nas transações no arranque do ano
    2. Preços das casas mantêm-se estáveis
    3. Arrendamento: programa Mais Habitação do Governo não resolve 

No Salão Imobiliário de Portugal (SIL), que decorreu entre os 4 e 7 de maio na FIL, o idealista/news fez uma ronda pelos players do setor presentes no certame para “medir o pulso” ao mercado. Sendo difícil, neste momento, arriscar previsões a longo prazo, os especialistas em mediação imobiliária ouvidos consideram que, com otimismo e incertezas em paralelo, o mercado vive um momento “estranho”, condicionado pelo contexto macroeconómico e geopolítico atual. Depois do sobreaquecimento dos últimos anos e de um “boom” pós-pandemia, caminhamos, dizem, para um cenário de estabilização e normalização de mercado. E apontam que 2022 é visto como o eventual princípio de um ciclo de mudança. 

Todos concordam que Portugal vive uma crise na habitação. Porém, e de acordo com os profissionais do imobiliário, este é um problema estrutural, e não apenas conjuntural. E o programa Mais Habitação apresentado pelo Governo está longe de convencer. Não parece ser, na opinião dos mediadores, o caminho certo para resolver as dificuldades que o mercado enfrenta e pode, pelo contrário, alimentar a instabilidade e desconfiança por parte de quem investe.

SIL 2023
Diogo Coelho

Já o negócio do imobiliário continua ativo (e atrativo), é certo. Apesar de uma quebra nas transações a nível nacional, sobretudo, no arranque do ano, a elevada procura mantém-se e há oportunidades de negócio rentáveis. A tomada de decisão tende a ser mais demorada, daí que se comece a verificar um aumento do prazo médio de venda dos imóveis, isto é, o mercado está a demorar mais tempo a absorver as casas. No entanto, e apesar de possíveis correções e ajustamentos, os preços das casas deverão manter-se estáveis (e a subir, mesmo que a um ritmo mais lento), uma vez que continua a não haver produto suficiente. O diagnóstico é unânime: Portugal precisa de mais casas.

Para onde caminha o mercado imobiliário?

  • Comprar casa: quebras nas transações no arranque do ano

Apesar dos problemas identificados, Portugal vive um momento em tudo diferente do passado. O “fantasma” da Troika e do contexto vivido nessa altura, face à atualidade, não se compara, na opinião dos mediadores. O imobiliário oferece uma maior segurança e o país está menos exposto: tem uma baixa taxa de desemprego, há maior liquidez, e os níveis de incumprimento de crédito são baixos, também face às regras mais apertadas estabelecidas pelo Banco de Portugal (BdP). Mas, afinal, para onde caminha o setor?

Ricardo Sousa, da Century 21 Portugal reconhece que o mercado, desde o último trimestre de 2021, tem vindo “claramente” a desacelerar. À semelhança de alguns players ouvidos, aponta para uma quebra nas transações no primeiro trimestre de 2023, face ao ano passado, que deverá continuar, pelo menos para já. O mercado está a “absorver as casas mais devagar”, ainda que a dinâmica nos negócios seja evidente. O CEO da C21 explica, por exemplo, que a “taxa de esforço para quem acede pela primeira vez, ou seja, os jovens e famílias que querem comprar a sua primeira casa, na Área Metropolitana de Lisboa e Porto, ou no Algarve, é brutal. Estamos a falar de taxas de esforço acima de 45/50%. E não nos podemos esquecer que diminuíram as maturidades dos créditos. Portanto, diminui o tempo de crédito, aumentam as taxas de juro, a prestação aumenta. Eu não consigo comprar as casas que estão no mercado”.

Há casos de muitos clientes, conta, que "iniciam a sua pesquisa, como é normal, pedem a viabilidade para o seu empréstimo para comprar casa, não tomam logo a decisão. No mês a seguir alteram-se as taxas de juro, já não conseguem aquela viabilidade para aquela casa porque basta mexer um bocadinho, já não se cumpre os requisitos da taxa de esforço. É o que vivemos neste momento. É, acima de tudo, um ajuste desta procura”.

Nos primeiros meses deste ano, "o mercado esteve estranho. Realmente, havia aqui um défice de confiança. No fundo, estávamos todos a perceber para onde é que nós íamos. Mas entretanto o mercado começou a estabilizar, a confiança começou a estabilizar e começámos a acreditar que realmente que há mercado para além da guerra, há mercado para além da inflação, há mercado para além de taxas indicadoras diferentes daquelas que andamos a viver nos últimos anos. As coisas começaram mais paradas do que gostaríamos, mas agora está a correr bem, felizmente”, comenta, por outro lado, Luís Nunes, CEO da Comprar Casa, acrescentando que os imóveis têm agora uma “rotatividade mais suave”. Os imóveis, na sua perspetiva, "vão tender a demorar, em média, três, quatro, cinco meses a sair”.

imobiliário em Portugal
Foto de Matt Duncan no Unsplash

Uma opinião partilhada pela CEO da Remax, Beatriz Rubio. A responsável assume que começaram o ano de “forma mais difícil, com menos transações e com muita falta de produto no mercado”. Uma falta de produto que, diz, “se deve única e exclusivamente a falta de construção dos últimos dez anos”.

"O português tem menos dinheiro no bolso no fim do mês. Não só pela inflação, mas também pelo aumento das taxas de juro. E isso, claro, traduz-se em que no fim do mês se tenha de pagar mais pelo crédito hipotecário. Faz com que existam menos pessoas a poder comprar casa e, portanto, há menos transações. Então, em teoria, num mercado mais equilibrado, isso faria com que os preços viessem a descer, que é algo que não acontece em Portugal pela falta de casas que existem. Eu acho que estamos num momento em que é preciso tomar mesmo decisões, e não só a curto prazo, como a longo prazo”, defende a especialista, para quem é fundamental que se tomem “diligências” para a construção de nova habitação.

A perceção de Guida Sousa, diretora coordenadora nacional na Decisões e Soluções, vai no mesmo sentido. Diz que o mais difícil, atualmente, é “conseguir um imóvel que as pessoas tenham condições de comprar”. “Se há uns tempos um casal conseguia comprar facilmente uma casa por determinado valor, neste momento torna-se mais difícil, porque também os próprios critérios de aprovação do crédito tornaram-se um bocadinho mais apertados. Portanto, têm que optar por soluções mais acessíveis. E a dificuldade está precisamente a surgir aí. Tínhamos alguns processos de crédito que já vinham do passado, que já estavam pré-aprovados e temos clientes que tiveram que desistir porque com a subida da taxa de juro, a taxa de esforço aumentou e eles deixaram de ter condições de comprar aquela casa”. “É esta adequação entre o tipo de procura e o tipo de oferta que tem de acontecer”, salienta.

Frederico Abecassis, CEO da Coldwell Banker, confirma que o mercado continua ativo, apesar de se verificar alguma “instabilidade no período de decisão”. O responsável explica que “esta situação está relacionada com o atual contexto macroeconómico mundial e com a instabilidade causada pelo Governo nos últimos tempos”. Na sua visão, “os preços irão continuar a subir, mas de forma menos acelerada face ao ano passado. Seria muito importante que houvesse medidas de estabilidade a nível político e fiscal. O nosso maior desafio nos tempos que correm é controlar o impacto negativo das medidas governamentais”.

família
Foto de William Fortunato no Pexels

Estamos perante, portanto, “fatores extraordinários” que provocaram um decréscimo na compra de casa, na opinião de Rui Torgal, CEO da ERA Portugal. Segundo o especialista, e apesar da sua empresa, em particular, não estar ainda a sentir este impacto, a inflação e os juros altos vieram baralhar as contas no mercado nacional. De uma forma geral, explica, “cada vez mais as famílias têm de se deslocar para as periferias, comprando casas que têm valores mais aproximados entre aquilo que podem comprar”. Antecipa, por isso, para os próximos tempos, “uma tendência de normalização do mercado”. “Se me perguntar: vamos ter um mercado superaquecido como tivemos nos últimos quatro/cinco anos? Eventualmente, não. Vamos ter um mercado que se vai adaptar a esta instabilidade e esta mudança que foi induzida pelas taxas de juro, pela inflação e pela guerra”, sublinha.

Marco Tairum, CEO da KW Portugal, afirma que o primeiro trimestre veio confirmar, ao que tudo indica, um conjunto de pressupostos, nomeadamente a diminuição de transações. Ainda não sentem os efeitos da quebra generalizada, contudo, recorda que “houve muitas transações que se fizeram antes do tempo que era suposto, o tempo que as pessoas passaram sobre quatro paredes, com suas famílias a viver em apartamentos e procuraram imóveis de tipologias diferentes, num momento em que não era suposto tradicionalmente fazer essa transação”. “Quando se tirou o botão de pausa da pandemia, o mercado explodiu novamente. E por isso era expectável que houvesse agora uma correção”, indica.

  • Preços das casas mantêm-se estáveis

Relativamente aos preços das casas, os especialistas ouvidos não têm dúvidas: vão manter-se. Apesar de possíveis correções e ajustamentos, ou até ligeiros acertos em baixa, a tendência é de estabilidade e subida, mesmo que a um ritmo muito inferior ao verificado nos últimos anos. Esta aparente realidade contraditória (de algumas quebras nas vendas, mas estabilidade de preços) explica-se pela falta de oferta de casas.

“A nossa expectativa neste momento é que o número de transações face ao ano anterior continue a baixar. Que o tempo médio de permanência dos imóveis no mercado continue a aumentar. E enquanto não se resolver o problema da construção nova, e o problema ainda pior do arrendamento, não há razão nenhuma para achar que os preços vão baixar”, acrescenta Marco Tairum.

Já Ricardo Sousa, da C21 considera que "apesar desta relação mais equilibrada entre o particular e o comprador, sobretudo no mercado de imóveis usados, o preço ainda está alto. "Aquilo que nós estamos a verificar é que, aquando fecho do negócio pela escritura, já está a haver correções de preço para fechar o negócio. O proprietário já está a aceitar. Acreditamos que com o tempo os proprietários que tenham, não quero chamar urgência, mas que sejam mais pragmáticos, vamos ver preços de anúncio mais ajustados à realidade e menos preço de anúncio 'o que eu gostava que fosse'", adianta.

casas em Portugal
Foto de Mario Esposito no Unsplash

“O ano de 2022 eu acho que é um ano que marca, de facto, uma transição e até o fim do mercado como conhecíamos nos últimos seis ou sete anos, desde 2015, desde a saída da crise. No final de 2021 acabou o ciclo da grande subida, que resistiu mesmo à covid e àquele período duro de confinamento. O ano de 2022 foi um ano em que começou um novo ciclo. Em que vimos menos transações, o mercado a quebrar. Mas em que os preços não caíram, que é um bocadinho o lado mais surpreendente”, comenta Alfredo Valente, CEO da iad Portugal, que admite ajustes ligeiros, sem antecipar quebras substanciais.

Reinaldo Teixeira, CEO da Garvetur, lembra que a mediação imobiliária tende sempre a “sobreviver” mesmo nos momentos mais difíceis. “O nosso país vive um problema de stock, não há muito produto. Contudo, mesmo nos momentos mais difíceis, há sempre quem pense em vender e há sempre quem pense comprar. Ou seja, a mediação está na ponta e no meio e no fim, ou seja, quer na venda do terreno, depois da venda das frações quer depois na revenda delas”, refere, num tom de otimismo.

E acrescenta: “Faz sentido mais habitação? Faz. É uma carência, é. Então, o que é que vamos fazer para incentivar quem quer investir no setor? Eu acredito que medidas de caráter fiscal, de facilidade e rapidez nas licenças são fundamentais. Eu acho que os investidores, aqueles que constroem a habitação, também estão disponíveis para colaborar com esse tipo de investimento”.

  • Arrendamento: programa Mais Habitação do Governo não resolve 

Em fevereiro, o Governo anunciou o programa Mais Habitação, que promete aumentar a oferta de casas no mercado e facilitar o acesso à habitação com preços acessíveis no médio prazo. E o arrendamento é uma das peças centrais do plano desenhado pelo Executivo de António Costa. Há várias propostas em cima da mesa: desde o Estado arrendar para subarrendar; incentivos fiscais ao arrendamento acessível; descidas de impostos; apoios às famílias – como o subsídio de renda –; até ao polémico arrendamento coercivo de imóveis devolutos, cuja execução passa agora a estar nas mãos das autarquias; ou restrições ao Alojamento Local.

Desde que o pacote de habitação foi anunciado, vários intervenientes de mercado já vieram tecer-lhe duras críticas. Os players do setor presentes no SIL não quiseram alongar-se sobre esta matéria, contudo, mostram-se insatisfeitos com as medidas.  

comprar casa
Foto de Ben den Engelsen no Unsplash

“Pensar que complicar a vida ao Alojamento Local é criar mais arrendamento é o desajuste total. É para quem não está a ver a realidade do mercado”, defende Reinaldo Teixeira, da Garvetur.

“Eu acho que o mercado de arrendamento não tem até agora manifestado nenhuma mudança substancial e não vejo como possa mudar tão cedo. Penso que o arrendamento só vai mudar com compromisso com investidor, com compromisso com o proprietário e não contra o proprietário, como tem sido o caso. O Governo parece que ambiciona corrigir os problemas do mercado de arrendamento, obrigando as pessoas a arrendar. E eu acho que isso nunca resolve o problema”, acrescenta o responsável da iad, Alfredo Valente. Para este agente do mercado é simples: “o problema do mercado de arrendamento é que não há imóveis para arrendar”.

Durante muitos anos, salienta ainda, “o mercado de arrendamento tradicional foi muito menos interessante do que o mercado de arrendamento turístico e, portanto, nós vimos muitos investidores interessarem-se pelo mercado de arrendamento de curta duração e muito poucos investidores interessarem se pelo arrendamento de longa duração”. Na opinião do CEO da iad, e para resolver o problema do mercado de arrendamento, “temos que tratar da atratividade do mercado de arrendamento de longa duração e não obrigar ninguém a fazer uma coisa que economicamente não é interessante”.

 

arrendar casa
Foto de Olga Müller no Unsplash

“Temos sentido uma enorme procura pelo mercado de arrendamento, mas a oferta ainda é escassa tanto para clientes nacionais como internacionais. A procura verificada incide sobre os grandes centros urbanos e para zonas periféricas a 45 minutos de distância do centro das cidades”, confirma Frederico Abecassis, da Coldwell Banker.

Para Ricardo Sousa, da Century 21 Portugal, há um momento antes e depois das políticas do programa Mais Habitação anunciadas. “Estávamos com uma dinâmica de uma grande procura de casas para arrendamento. A oferta estava a adaptar-se, porque o mercado de arrendamento é muito elástico, ou seja, flutua muito rapidamente, não é como o compra e venda, que é um mercado muito estável e difícil de flutuar. Tivemos agora pela primeira vez, final de março e abril, uma diminuição das transações de arrendamento. Alguns clientes a saírem do mercado de arrendamento, ou para venderem as suas casas ou ter outras opções. Nós acreditamos que pode ser aqui uma transição... um bocadinho à espera do que é que irá acontecer e quais os incentivos...”, frisa.

Para este responsável é fundamental “estruturar e profissionalizar o arrendamento e criar condições para que pequenos médios investidores, que é o que caracteriza o nosso mercado, tenham confiança. É preciso criar condições para que eles continuem e não saiam do mercado”.

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